quinta-feira, 17 de junho de 2010

Ensaio sobre adaptação cênica de obras literárias

Por Carolina Anglada

O teatro consiste de diversos elementos e um deles é o texto. Mas o texto não faz o teatro. O texto precisa ser teatralizado. Em forma de texto, é uma idéia. Ao ser tomado como base, precisa subir nos palcos, justamente com aquilo que lhe é único, vestir a roupa, arregaçar as mangas, construir o cenário e se portar como parte do todo.

Partir de um texto narrativo-literário à construção de um espetáculo cênico não é simplesmente deduzir que o processo se deve unicamente a transpor as linguagens e acrescentar aquilo que falta ao texto. Primeiramente, é preciso retirar todos os elementos que sobram na obra, isto é, aqueles elementos do texto ou da própria caracterização da narrativa como estrutura, que não pertencem ao teatro. Depois, é necessário que se comprima. Ou seja, toda a história que em um livro ocupa 200 páginas, deve-se pensar naquilo que a constrói, de forma condensada. O que acontece, geralmente, é que nesse processo de priorização do que é essencial na obra, muitos dramaturgos ou adaptadores acabam descobrindo aquilo que será focado no seu espetáculo. Isto é, no momento em que se pára e pensa o que é o cerne da obra que será dramatizada, acaba-se aproximando de algum personagem que no texto literário não tem muita importância ou em uma situação narrada, por exemplo. Isso é recorrente, mas vai de dramaturgo para dramaturgo. Ao final, é possível definir a necessidade de um processo de associação, o quê no texto é o sentido, e como ele será distribuído em cenário, personagem, diálogo, situação dramatizada. Independente do enfoque que o adaptador quiser dar, a idéia original da obra deve estar, de alguma forma, destrinchada nos elementos que compõe o espetáculo.

Em alguns casos, o objetivo desde o início da preparação para montar um espetáculo que tenha uma obra literária como base, é realizar uma transposição literal e fidedigna do texto para o palco. Se esta intenção provém de um respeito e admiração ao autor e à obra, é louvável que esta intenção se mantenha na hora da montagem. Entretanto, o que é próprio ao texto literário-narrativo, por mais completo que seja não preenche todas as lacunas da composição cênica. O que acaba por acontecer, de fato, é que a "voz autoral narradora" se mantém na voz dos personagens e nos outros elementos da montagem. É impraticável pensar numa "transcrição teatral", no termo de Haroldo de Campos, em que não haja, como ele mesmo afirma, uma recriação do texto para os moldes do teatro. Assim, é produtivo tomar essa tentativa como um resultado híbrido das duas vertentes, levando em conta o que as duas têm de mais significativo.

Quando se assiste a alguma peça em que todas essas questões foram levadas em consideração, podemos pensar que a situação contemporânea dos diálogos possibilitados entre as vertentes artísticas é positiva e deve ser otimizada. Podemos estar frente a frente com a obra literária ficcional se enriquecendo com recursos mais livres e múltiplos do teatro e da encenação. E não é só a obra que ganha em termos de dimensão, mas o próprio público, que ao se propor assistir uma peça em vez de ler a obra, muitas vezes, se sentirá incluído num mundo ficcional de uma forma mais natural e que lhe convém.

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