sábado, 27 de junho de 2009

Notas sobre algumas das cenas mais votadas

Por Luiz Navarro

Na porta de entrada, rapazes com sacolas de plástico na mão distribuíam tomates maduros, bem maduros, a quem entrava para assistir o primeiro dia de apresentações das Cenas Curtas mais votadas durante o festival do Galpão Cine Horto, em sua décima edição. Algumas pessoas não entendiam, outras trocavam idéias e opiniões sobre a controversa cena do coletivo Conjunto Vazio, que levantou polêmicas na sala de espetáculo e inclusive neste blog. Antes do início das apresentações, uma observação importante para algum espectador desprevenido: os tomates foram distribuídos para serem utilizados na última cena e apenas na última cena.

Cheiro de incenso, tambores e flauta ambientam a platéia em uma das experiências mais excêntricas da vida do poeta Mário de Andrade: a cerimônia catimbó de fechamento de corpo. A cena é “Corpo Fechado”, dirigido por Ricardo Gomes. Os atores Alexander de Moraes e Priscilla Duarte revezam a interpretação dos vários personagens que participaram do episódio - incluindo o próprio Mário de Andrade - de forma muito dinâmica e bem-humorada. Feita a partir do relato do poeta, a montagem é bem construída, apesar de alguns elementos poderem ter sido mais bem explorados, como a presença de um homem de dread-locks vestido de mulher e tocando tambores - algo completamente inusitado.

De repente, as luzes se acendem e cinco cabeças cantam enlouquecidamente. Perguntam-se, afinal, onde estará Nick Van Drick? Assim começa a cena “5 Cabeças a Espera de Um Trem”, com direção de Byron O’Neill e Alexandre Cioletti. O ritmo acelerado do texto (divertidíssimo, ainda que propositalmente confuso) prende completamente a atenção do espectador. Como a única parte do corpo dos atores à mostra era justamente a cabeça, a expressão facial e a maquiagem ajudam muito a conquistar o público, além, é claro, das interpretações individuais, explorando muito bem os trejeitos particulares de cada ator. Inspirada no teatro do absurdo, a cena demonstra ter sido construída com bastante maturidade e merecidamente foi uma das mais votadas no festival.

Uma das cenas mais admiráveis do festival, “Dia de Prova”, da Companhia do Ator Cômico, de Curitiba, dirigida por Mauro Zanatta, surpreende o público com seus personagens infantis vestindo máscaras de crianças em uniforme de escola e professor. A primeira impressão ao encarar os personagens da cena é de não estar assistindo a uma cena de teatro, pois as máscaras transportam o espectador a outro lugar, talvez para dentro de uma tela gigante de TV, com a sensação de não estarem ali atores humanos, e sim personagens de desenho animado. E as máscaras não têm bocas, pois a cena não tem falas. Toda a dramaticidade é expressa pelo corpo e pelos gestos que tocam pela sutileza. Uma cena tão bem elaborada que foi apresentada ao público adulto, mas também poderia perfeitamente ser apresentada ao público infantil, que ficaria encantado com sua delicadeza, algo tão diferente daquilo a que está costumado: a televisão.

O improviso, a criatividade e o bom humor são as matérias primas dos palhaços baianos Danillo Novais e Yoshi Aguiar em sua crítica bem-humorada à banalidade da violência em “O Sequestro...”. Sua simplicidade e carisma arrancaram risadas, às vezes até nervosas, da platéia. As referências a outras cenas apresentadas no festival e a grande capacidade de improvisar até nos momentos de erro são as grandes sacadas da dupla.

A cena "Eu Me Vendo por Muito Menos do que Você Paga”, do Conjunto Vazio, terminou o dia de apresentações em uma espécie de anticlímax, com sua provocação esvaziada, talvez pela repetição da cena que já não trás tanta surpresa, já não pode comprar votos e nem sempre provoca questionamentos entre o público. Resta somente o prazer em arremessar tomates em alguém sentado esperando levar tomates na cara.

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