Baseada na obra de Rubem Fonseca, cena apresentada no 10º Festival de Cenas Curtas fala de opressão e de falta de esperança no amor
Por Wandra Araujo
A produção carioca Francisca, e seu intrigante jogo cênico, foi uma das quatro montagens apresentadas no 10° Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto no segundo dia de programação, sexta-feira, 19 de junho.
Uma mesa, duas cadeiras e um corpo desenhado no chão são os elementos cênicos no primeiro ato da cena. O simples cenário foi suficiente para as maquinações de Francisca, uma mulher de aproximadamente 30 anos, infeliz com o casamento – condição que serve de fio da meada para o desenrolar do enredo. A partir de sua idéia fixa de matar o companheiro, para ela um grande canalha, a história surge. “Um marido desses tem que ser morto, e não em sonho, mas na vida real”.
Em cena, duas Franciscas. Ou uma Francisca e seu pensamento. Duas atrizes que dividiam o mesmo espaço no tempo e que encarnavam a mesma personagem. Façanha típica das obras de Rubem Fonseca, da qual a cena foi adaptada. Aliás, o brutalismo, corrente literária inaugurada pelo autor, é fielmente desenvolvida na montagem. No elenco, Morena Cattoni e Tatynne Lauria fazem ‘personagens narradoras’ de uma trama onde a oralidade é o grande elemento que move a história. O tom de mistério, policialesco e intrigante, fez parecer que a produção teve bem menos de 15 minutos (tempo máximo permitido pelo Festival). Característica de contos de Rubem Fonseca, e também de boas montagens, que envolvem o público a ponto de não perceber o passar do tempo.
A atmosfera opressora do mundo em que vive a personagem é bem simulada pela meia luz e ‘palidez’ dos objetos que compõem a cena. Tudo combinando com a frieza das ações de Francisca, que não tem nenhum remorso de querer matar o marido num assassinato planejado para que se pareça um suicídio. Francisca, a viúva oprimida e assassina, ainda tem tempo de ensaiar sua versão para a morte do companheiro.
Longe de ser um crime passional, o assassinato do marido de Francisca por ela mesma é uma libertação. E, talvez, possa se enquadrar em outra categoria de crimes, a legítima defesa. Afinal, vivemos numa sociedade em que muitos indivíduos se anulam em função de outros acreditando no amor ou até mesmo em convenções sociais – tipo o casamento. Como motivação do crime, não se pode aventar outras possibilidades: como a de Francisca preferir ser viúva do que ser responsabilizada por um casamento fracassado.
Esta preocupação consigo (por parte do marido que nem mesmo mereceu um nome) não tem como reflexo apenas o egoísmo, mas também o abuso. Francisca possivelmente foi vítima de uma situação assim, de exploração e opressão. E, ao mesmo tempo, deu continuação a um ciclo de ausência de diálogos sinceros, de desamor e desesperança. De não-reconhecimento do próximo, do homem que um dia quis ter como marido.
A cena, dirigida por Diego Molina, agradou e suscitou reflexões acerca da real motivação do crime. Mas, tudo neste texto, são apenas especulações acerca do que se passa na mente de uma mulher.
Nenhum comentário:
Postar um comentário