sexta-feira, 18 de junho de 2010




Impressões Segundo Dia

Por Carolina Anglada

Alpondras

O caminho se dá entre duas vertentes: a encenação e a vídeoarte. Nos paralelos, a sensação é de causa e conseqüência. No palco, a atriz Tana Guimarães se equilibra entre as pedras, postas uma à frente da outra. A trajetória é arriscada e exige concentração. A tensão está lá e no rosto dos espectadores mudos, nas mãos tensas sentadas. No vídeo, aparentemente a mesma mulher já aparece sendo carregada pelo curso de águas de um riacho. Apática e sem intenção de salvação, ela se deixa levar.


Resigna-se. O momento encenado no palco parece ser anterior. Lá, ela ainda se propõe a se virar com o repertório que lhe é dado. As pedras às vezes são empecilhos, às vezes descansam, às vezes atravessam, às vezes são somente pedras.

No que se pode observar no teatro contemporâneo, a ação física do corpo tem se dado mais pelo deslocamento espacial do que através da voz ou das palavras. É o corpo capaz de atribuir significado tanto a si, quanto aos outros objetos em cena. No caso de Alpondras, é pelo corpo que torna possível perceber a distância entre o que é humano e essencialmente teatral do aparato tecnológico.

Parte do encanto se dá pela encenação, parte pelo apoio do audiovisual, onde no palco ambos constroem a poética da cena, cada um a seu modo, criando um resultado híbrido e uma forma nova de narratividade e dramaturgia.

O público ainda se mantém conservador, conservando até mesmo os aplausos. Trinta segundos depois e luz apagada, é que se percebe o fim. Aplausos comedidos. Mas esse time promete!


Flicts

"No princípio era o verbo". Mas antes do verbo, havia o nada. Então, a palavra não ocupa tudo. Dentre as obras literárias canônicas, sempre haverá uma lacuna. Não em termos dela não ser fechada e coerente dentro de sua verdade ficcional. Mas há de haver sempre alguns espaços lúdicos que cabem às interpretações preencherem. E irem além.

A cena Flicts, baseada na obra de mesmo nome, do escritor Ziraldo, extrapolou todas as lacunas, e o fez positivamente ao construir junto com o texto original. Nas mãos (voz, corpo, atuação e alma!) da única atriz, Mariana Jacques, que interpretou trazendo para os dias atuais a cor rejeitada, o resultado foi um retrato bastante caricatural e, ainda criativo. A caixa de lápis negando a participação, mas consolando: "O essencial é invisível aos olhos". A primavera personificada caracterizando Flicts como demodê e o enquadrando numa coleção retrô. O arco-íris brincando com o número das cores que o compõe: "Sete, muito cabalístico para ser mudado", coisa de família tradicional, é a ordem natural do mundo, mesmo. A bandeira. O mar.

"Só os astronautas sabem - que bem de perto, de pertinho, a lua é Flicts". Em cheio! O alvoroço do lance parecia já ter decidido o resultado. As luzes se apagam, o time de uma só sai de campo e a música não podia ser outra para o intervalo. "Brasil- sil- sil- sil"!

Eu Tu Elas

A proposta com direção de Karina Pereira é de riso leve e sorriso estampado permanente. As três palhaças construídas em cima de estereótipos clássicos surpreendem mesmo assim. A recalcada, plástico nas pernas, capa de chuva, não quer dar vexame e tem vergonha alheia. A efusiva bebe, se torna excêntrica. A metódica, carrega uma bolsa enorme da qual saem várias outras bolsas em ordem decrescente de tamanho. Mais panela, lencinho, bóias, chapéu e brinquedo.

De forma humilde, encenam e arrancam um humor gostoso. Os artifícios cênicos, da mesma forma. São três faixas amarelas referentes à areia. O mar avança sem avisar em cada uma delas. As faixas no chão viram azuis, a água. Tudo bem simples, mas encantador.

O ápice da cena, e da interação entre as três, aparece quando cantam inesperadamente "Singles Ladies" da cantora Beyonce, tentando imitar a coreografia do videoclipe de forma desengonçada. Tão aplaudido quanto Flicts, parece que o povo gosta é de gol fácil.



As lágrimas Amargas de Petra Von Kant

Modeletes com figurinos ousados, de acordo com os padrões fashionistas. Trilha sonora eletronicamente explosiva. Movimentos corporais ágeis, em ritmo de desfile. Um monte de roupas num canto do palco, quatros vestimentas inclassificáveis suspensas e um espelho do outro lado. A banheira no meio. Todo o entorno cênico, uma moda só. No bom sentido, é claro.

O ator Fabbio Guimarães travestido de Petra Von Kant, a estilista personagem do filme de mesmo nome da cena, vai fundo descortinando a futilidade e volta num piscar de olhos, ou melhor, de batida, de flash, de lance. Amar é construir uma coleção inteira inspirada na pessoa.

Na dor, é só passar a mala (vulgo peteca quente) para a outra personagem. Alguém carrega. É esse o glamour. O universo da moda é infinitamente referencial e a cena reflete isso. Os itens são milhares, o tempo é divido em flashes, tudo muito intenso e claustrofóbico. Em meio a tanto "luxo, o lixo".

No mais, vale pensar que a perda é um lugar sugestivo. Se bebe, se perde, se rasga, se confessa, se reconstrói, se cria. Qualquer coisa é só força na peruca e atira no espelho, Petra! A torcida fica com a gente...

2 comentários:

  1. Bom texto, parabéns! Adorei a noite de ontem (5ª), achei bem melhor que a de hoje. Abços, Brígida.

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  2. Na minha visão, a principal função do teatro é ser libertário. Achei a organização super careta, ditadora, cheia de regras a serem seguidas e que nem constam na programação, como a proibição de tirar fotos, ter de votar só no final da apresentação de todas as peças, sem levar em consideração que a estrutura física é super desconfortável para ficar mais de uma hora sentado.
    Sem contar o número insuficiente de álbuns distribuidos na entrada. Eu mesmo não recebi.
    Por um teatro mais libertário, sem valores pré-determinados e impostos de cima para baixo.
    Liberdade!
    Marco Antônio

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