domingo, 20 de junho de 2010

Impressões Terceiro Dia
Por Carolina Anglada

O Cesto

Dividir-se em dois: cada parte sustenta metade. "Há muito, toda luz se pôs", na vida da mulher que todo dia freqüenta o hospital, visitar o marido. O desejo é que ele morra, quando usar o vestido negro no velório haverá libertação. "A morte dele me fará nascer". Enquanto isso, as duas mulheres em cena, as duas mulheres de uma só personagem, às vezes se repetem, às vezes se estranham.
O duplo, o espelho, a cisão bíblica em dois, habitam as lendas, mitos, tradições populares, estudos freudianos, e inquietam o homem ao tornar consciente a insuficiência do ser. Ao mesmo tempo que ela deseja a morte do marido, não consegue ser só, canta para seu outro eu. Em toda pessoa, há aquela que pergunta e aquela que responde.
Por encantamento ou maldição, a recusa pela unicidade e autosuficiência, acaba levando a formação do duplo, sombra ou reflexo. Na cena, o conhecimento de uma é o da outra, mas frente aos acontecimentos cada uma possui sua sensação.
Na junção, elas sofrem, mas somam-se. "Amanhã eu preciso me lembrar de não preparar o cesto para a visita", às vozes se encontram, no último instante.

Duas palhaças e um pequeno príncipe

"Boa noite. Tudo bem? Eu tô ótima". Com o corpo caído, o olhar resignado, a voz irônica, a primeira palhaça entra pelo lado direito da platéia, como se estivesse lá o tempo todo, sentada como qualquer um. "Boa noite. Tudo bem? Eu tô ótima", indagando sem querer saber a resposta, mas matando o público de rir.
A outra palhaça entra, essa, mais espontânea, igualmente engraçada. Vão andando por entre o público, sem muito ornamento, sem muita novidade. Sentam-se cada uma em sua cadeira, postas uma ao lado da outra, no palco. Pedem que avisem quando der 13 minutos. Toda cena não pode passar dos 15, é melhor prevenir. "Eu não vim do Rio de Janeiro pra cá pra perder". Nem o público quer que elas percam.
Como dupla, as duas se completam e se erguem a cada momento. A irônica pega o livro do Pequeno Príncipe e ao ir lendo a história, vai se entregando. A outra é boba, e a conquista. Como o príncipe, cativa a raposa. Quando a gente vê, tem uma praticamente no colo da outra. E as duas quase choram.
Quase 15 minutos? Gol de placa! Pegam a cadeira e vão embora.

Coração acéfalo/ Boca desgarrada

Discursos paralelos que nunca se encontram, nem no fim. Ela, histérica, mente demais, bebe demais, manipula demais. Não é lésbica, mas é carente, conhece uma mulher, se casa. Qualquer coisa, se chegar em casa e ela estiver com outra, mata a outra e pega a mulher corta a cara todinha, "pra nenhum cirurgião conseguir consertar, e ela vê se acaba com essa vaidade toda". Ele, inconstante, "eu sou um pouco inconstante. Não, eu sou muito. Ou eu não sou?". Fica com a menina do seu trabalho, não consegue mais estudar, só quer saber dela, qualquer coisa "desde que fosse com ela".
A gente, daqui de cima, não sabe se ele fala dela e ela fala da outra. Ou se cada um fala do seu e eles nem se conhecem. Acontece que quando se esbarram, é só ele dizer "Eu te amo" ela cai. Cai sem querer, no início. Depois vai caindo compulsivamente. Cai que dói no público e incomoda. Ele diz que ama, só pra vê-la cair.
Amor quando acontece, uma hora, um se esborracha. Mulher primeiro, que é mais fácil de se entregar e está sempre disposta a acreditar. Mulher precisa de palavra precisa de mentira, mulher precisa ter no que acreditar, pra poder pegar o sofá, levar a mesa, juntas as escovas de dente. É ela quem cai todas as primeiras vezes.
No final é ele. Uma única e definitiva vez, o homem cai.

Suave [in] Pura Brancura

"Hoje vamos falar de amor. Amor que enfim morre, como morrem todos um dia". Parece que tudo ali é em forma de coração. Não literalmente, mas de forma sugestiva. O movimento dos corpos (im)pulsa com um estardalhaço desmedido. Rodam, giram, caem. Caem o tempo todo, que só é possível pensar que existe técnica. Não é qualquer um que cai. Caem bonito, na entrega, mas cair exige disposição, que depois ainda tem que levantar. Surgem balões, explodem balões, somem balões. É tudo dinâmico. Surgem cadeiras, sentam cadeiras, caem cadeiras, saem cadeiras.
As gentes são muitas, entram e saem, gritam ou nunca falam, depende da velocidade, todos em negro. O discurso é lírico e é rasgado. O discurso também pulsa. As sensações determinam o tom. O carinho nasce tímido, a dor tem voz de grito, o sexo prende, mas o nó na garganta desata. Explode balão!
"As vezes amar dói". Mas mesmo a dor do amor, às vezes é bonita. Mesmo em negro, quando estoura. Mesmo quando faz cair tanto, que tem ritmo. Mesmo quando são tantos os alvos, que a gente não sabe a cara de todos e mistura. Mesmo quando parece que estão todos contra, todos estiveram a favor... De criar e encantar nessa sobriedade toda. Haja delicadeza!
Na platéia, ou todos estiveram amando a cena, ou já amavam quem a fazia. Ou ambos. O fato é que não faltaram palmas. Merecidamente.

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