sexta-feira, 19 de junho de 2009

Stop! O teatro-minuto do 10º Festival de Cenas Curtas: movimento, instante e permanência

por Sandro Henrique


“Stop./ A vida parou/ ou foi o automóvel?” Emblemático poema-minuto do modernismo brasileiro, “Cota Zero”, de Carlos Drummond de Andrade, coloca em tensão a velocidade, emergente da sociedade das primeiras décadas do século XX, e o estático, vida e modernidade, na captura do instante fixado no poema, e, ao mesmo tempo, sua fugacidade. O poema-pílula do poeta mineiro em sua concisão é irônico quanto o tema e, simultaneamente, dá-lhe forma: expressão de muitas idéias em poucas palavras. Dessa forma, parece-nos figurar o Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto, que estreou nessa quinta-feira sua décima edição, na qual propõe a expressão cênica em no máximo quinze minutos: incursão em uma espécie do que aqui poderíamos apelidar de “teatro-pílula”, “teatro-minuto”, em tempos de aviões a jato, do trem bala e Internet banda larga. Se a proposta do festival não prevê a recepção isolada das cenas no curso tumultuado do cotidiano, já que a cada dia do evento elas são apresentadas em conjunto, como os poemas-piadas modernistas, por outro lado, eles concernem na idéia da expressão 'muito em pouco tempo'. Em contexto, o festival expressa também a emergência da sociedade contemporânea, em que se sente o desejo da pausa, mas sua recusa demandada pelo pragmatismo do dia-a-dia. Tensionam-se assim no Festival de Cenas Curtas, na forma e nas idéias, o desejo de fazer teatro, a busca pela sua realização, e em mover a cena teatral brasileira, pela via do risco do tempo curto, que acentua o caráter efêmero da linguagem teatral. Escapam do público do festival os instantes das cenas, porém, elas permanecem na memória, e também na possibilidade de ampliação do projeto, gerada pela experiência da cena curta.


Além da relação com a literatura, é interessante observar que o mesmo caráter da experimentação ocorre também no cinema. O Festival de Curtas que acontece anualmente no Palácio das Artes é um dos exemplos de como o formato menor, que exclui as prerrogativas comerciais e também, em grande parte, o ônus de uma grande produção, permite ao artista na limitação do tempo a expansão de possibilidades da arte cinematográfica. Isso revela o consenso do teatro com outras artes, acompanhando o fluxo da renovação e do seu desenvolvimento.


Comemorando seus dez anos, a abertura do festival contou ontem com um vídeo relembrando momentos das edições passadas com vários nomes da cena brasileira que tiveram trabalhos que irromperam a partir a experiência do Cenas Curtas. Artistas como Grace Passô, Anderson Aníbal, Lenine Martins, Rita Clemente e Odilon Esteves, em nome de suas companhias, destacaram a possibilidade de experimentar linguagens teatrais, o teste da capacidade de síntese e expressividade, na simultaneidade do velho e do novo: o que já se tem agregado do teatro e do que está em devir. Assim, o Festival de Cenas Curtas é oportunidade de não ficar calado, parado: a experimentação da ação, a palavra, o corpo, a voz e os diversos elementos de composição cênica. Stop para curtir às cenas: instante que escapa, experiência que permanece.

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