sábado, 20 de junho de 2009

Riso e absurdo marcam primeira noite



Por Maísa Gontijo

A grande fila formada em frente ao Galpão Cine Horto não deixa dúvidas: algo de grande está para acontecer no teatro. Trata-se da abertura das comemorações dos dez anos do festival Cenas Curtas. Em clima de festa, com direito a balas delícia e chapeuzinhos de aniversário, a fila aguarda ansiosamente o início das apresentações. Os personagens que ilustram o cartaz do evento tomam vida nessa edição, e chamam a atenção do público para a importância da data: “O que hoje em dia duram dez anos, gente?”. Na contramão da efemeridade das ações contemporâneas, o Cenas Curtas mostra que consegue não só resistir ao tempo, como também se desenvolver ao longo dos anos.

Mantendo o clima animado da festa, o grupo Compalhaçada sobe ao palco. A cara de choro da palhacinha que lamenta a perda do seu amor até tenta enganar, mas logo fica claro que é para fazer rir que o grupo se deslocou do Amazonas diretamente para o Galpão. A cena se desenvolve dentro de um ringue de boxe (ou ringuelê, como a personagem prefere chamar) formado por quatro espectadores. A platéia não poupou risos à interpretação de Ariane Feitoza, Idelson Mouta e Carlos Linhares, que conquistaram logo de início a simpatia do público ao cantarem os hinos do Galo e do Cruzeiro (vale notar que o primeiro foi mais aplaudido). Para os menos ligados ao futebol, a romântica palhaça entoa a música Fada, de Victor e Leo. Tais referências ao universo mineiro são apenas uma amostra do intercâmbio cultural entre os dois estados. O Breves Cenas, correspondente do Cenas Curtas no Amazonas, é uma prova disso. Inspirado no nosso festival, teve sua primeira edição em março deste ano e Boxe com Palhaçada foi a cena vencedora.

Depois da palhaçada, o clima foi outro. Personagens pálidos e sinistros tomam conta lentamente do palco, ao som de música sombria e um chocalho. No cenário, uma mesa, cadeiras e um barril. Tomava corpo a cena Malevolência-alguém tem que morrer, dirigida por Jonnatha Horta Fortes. As gargalhadas deram lugar à apreensão. Com uma breve observada ao redor foi possível reparar que ninguém se atrevia a piscar os olhos. Segundo o diretor, a cena retrata as maldades da sociedade, e os personagens para melhor dar corpo ao tema foram escolhidos pelos próprios atores. Um médico que se mostrava o mais doente entre os presentes, um terrorista árabe, uma cabeleireira-bailarina-princesinha, um maligno padre corcunda, uma mãe à la Mortiça e uma jovem que carrega poderosas facas foram os escolhidos. Os personagens se reúnem várias vezes em volta da mesa, representando uma espécie de jantar. Mas o importante não é o que acontece durante, mas sim após ele: a cada reunião alguém tem que morrer. E é assim que termina não só o jantar, mas também a cena: todos reunidos em volta de uma das personagens morta sobre a mesa.

Em seguida, 5 cabeças começam a cantar em coro: “Será o Nick Van Drick?”. 5 cabeças a espera de um trem é a próxima cena a se apresentar. Elas estão lá, há 27 anos, esperando um trem para a Polinésia passar. “Será que ele passa aqui? Será que ele chega lá? Devo comprar as passagens agora? E se o trem passar enquanto eu estiver no guichê?”. Dilemas... dilemas que passam por essas cabeças durante toda a cena que, bem ao estilo do teatro do absurdo, foi desenvolvida especialmente para o Cenas Curtas. Talvez seja por isso que as horas do relógio da estação insistam em não passar: 15 minutos é muito pouco tempo para o humor criativo e inteligente da cena, que começou com o canto, mas terminou com o silêncio.

O Caminho do Cemitério é uma adaptação de Thomas Mann que narra a trajetória de um viúvo alcóolatra indo visitar sua família, toda falecida. Na cena, a narração fica por conta da atriz Cristina Vilaça, que aos poucos vai se transformando no personagem narrado. Esse elemento cria uma confusão no espectador, que é levado a acreditar que as palavras da narradora se referem ao homem lá atrás do palco, que cria o caminho do cemitério enquanto a narração se desenvolve. No momento em que os dois personagens se encontram, Piepser, o alcoólatra, é acometido por uma ira quase ininterrupta. “A felicidade acaba com a dignidade humana”, afirma o personagem, que só acaba com o seu nervosismo quando finalmente chega de encontro à sua família. Morto.

Assim como começou, o dia termina com uma cena de fora: Para Aqueles que Lavaram as Mãos, de São Paulo. A cena mostra o envolvimento de dois homens, não homossexuais, que demonstram diferentes emoções um pelo outro. Momentos de briga, alegria, dor, intimidade... A mais profunda cena a se apresentar na abertura, Para aqueles que lavaram as mãos surgiu com a viagem do diretor Renato Bolelli à Turquia, onde observou a forma como os homens praticavam gestos de afeição um pelo outro, mesmo não envolvidos em uma relação homossexual. Projetadas no palco, cenas de mulheres que já existiram na vida desses homens; no meio da platéia, o cantor. A cena que mais ousou, com certeza.

Agora é hora de conferir os demais dias e escolher a melhor cena, que será agraciada com a quantia de R$ 5.000 para se desenvolver em um espetáculo.

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