terça-feira, 16 de junho de 2009

A arte dos bastidores

Por Flora Pinheiro e Larissa Souza

Primeiro dia de ensaio no Galpão Cine Horto, momento de conhecer o espaço, fazer marcações de cena, pensar os contrastes de luz em relação aos elementos do cenário. Quinze minutos é o tempo máximo, e tudo tem que se encaixar: o trabalho visual, sonoro e coreográfico dos últimos meses tem que estar perfeito para a apresentação do dia 20 de junho, dentro da programação do 10º Festival de Cenas Curtas.

A cena “Todos os Animais São Iguais, mas Alguns Animais São Mais Iguais que Outros”, com direção de Luiz Carlos Garrocho, foi a primeira a ser ensaiada. Um banco com quatro lugares, boneca amarrada a uma corda, revólver, pin-up de papel. Três atores em cena e um diretor, que lança a questão: “Que tal uma cor vinho? Ou ficaria melhor envelhecido?”. A preocupação com as cores do banco usado no cenário é nítida, assim como a necessidade de um aquecimento na sala ao lado, antes do ensaio geral. Por cerca de 40 minutos, movimentos de ioga, expressão corporal, olhar, equilíbrio, sincronia e respiração são trabalhados por toda a equipe.

Com caráter de exercício e experimentação, os atores e o diretor vão em conjunto definindo o próximo movimento. Minuto a minuto, Garrocho para o ensaio para alguma correção. Por se tratar de uma cena que não usa a linguagem verbal, o cuidado com os movimentos e as feições precisa ser grande. “Explorem os vazios”, “Não pode perder o foco um minuto”, “Está faltando a repulsa e a atração no meio”, “Tem que ter resposta sinestésica, simultânea e sutil”, “Olhar pra frente dá mais equilíbrio” são algumas das indicações dadas pelo encenador.

Uma parte do ensaio é reservada para os atores conhecerem e explorarem o espaço, “1ª fase é de pesquisa aleatória, a 2ª fase é pesquisa editável. Explorem o espaço como se vocês fossem crianças”, incentiva o diretor. Sem roteiro para se apoiar, o desafio se torna sintetizar o processo de pesquisa e levantamento de material, dentro do tempo estabelecido. O resultado foi um novo universo configurado, no qual os egoísmos, covardias, medos e epifanias dos personagens são discutidos através de olhares flutuantes e expressões corporais.

O título é algo a mais para os espectadores refletirem, a frase foi retirada do satírico livro de George Orwell, “A Revolução dos Bichos”, em que as características dos homens e animais passam a se entrelaçar, e a distinção entre eles se torna impossível. “Se as pessoas conseguem construir um sentido no que veem, então a gente está em um caminho de possibilidades. Temos que ver se as pessoas estão convidadas a entrar nesse quebra-cabeça, onde imagens estão sendo manipuladas, onde há traços de expressões que cada um pega, que cada um puxa, que só acontece quando se dá ao olhar”, comenta Luiz Carlos Garrocho.

A segunda cena ensaiada, foi “A Mudança”, produzida pela Cia do Chá, grupo formado por alunos do curso de teatro do Palácio das Artes.

Criada especialmente para o Festival de Cenas Curtas, a cena é livremente inspirada na obra "A Metamorfose", de Franz Kafka, mas sem o objetivo de ser totalmente fiel ao texto. “Primeiro é uma inspiração, mas depois que vamos para parte prática, a gente descobre outras coisas, começa a virar uma outra obra”, explica o ator Marcus Vinícius Souza.

Pelo espaço, móveis de madeira: uma cadeira, um criado mudo, uma mesa de centro e uma mesa com quatro gavetas (azul, vermelha, rosa, bege). Arrastam-se móveis pra cá, arrastam-se móveis pra lá. “Não, não tá bom. O espaço tá muito grande, tá fugindo do enquadramento”. O diretor Francis Severino dá as específicas coordenadas para a melhor posição dos elementos no cenário, móveis são arrastados aqui e acolá. Os quatro atores exploram o espaço, circulam, fazem exercícios faciais e movimentos diversos, dessa vez o aquecimento é no palco. Alguém solta a música e a preocupação com o tom da voz prevalece, um dos atores passa o texto, “Dá pra ouvir direito aí atrás?”, a resposta positiva vem de alguém da produção.

Tudo certo, móveis em seus respectivos lugares, música no volume adequado, atores vestindo o figurino, com seu jogo de cores salmão e verde. O ensaio começa e a cena é passada uma, duas, três, quatro vezes, e por aí vai, a ponto de se perder a conta. A cada encenação, o esforço dos atores é revelado através das camisas suadas, cabelos bagunçados, rostos cansados e vermelhos. O diretor acompanha sentado na plateia, mas é como se estivesse dentro de cena, bate palma para dar ritmo à encenação, dá dicas de movimentos e entonações das falas, batuca a mão nos joelhos conforme a música, abaixa e levanta de acordo com o movimento dos atores. Já quase no final, um imprevisto acontece, um pé do criado mudo quebra, mas, em menos de cinco minutos, aparece alguém trazendo cola. “Imagina se isso acontece na hora? Ainda bem que foi hoje”, observa uma das atrizes.

Roteiro feito, falas decoradas, cenário escolhido, trilha sonora editada, cena ensaiada incansáveis vezes, o grupo parece pronto. Com uma linguagem diferente da adotada pelo primeiro, a Cia do Chá discute uma mudança que não é só física, como pode parecer no primeiro momento, mas principalmente uma alteração de comportamentos, atitudes, sentimentos e opiniões.

Silêncio, sincronia, atenção, respiração ofegante, suor, concentração, dedicação, equilíbrio, olhar, repetição. O ensaio é tão importante quanto, ou até mais, que o dia da apresentação. É a partir da preparação e do esforço envolvido nesse processo que o sucesso do espetáculo será defenido. Porque afinal, '"aquele dia é agora”, Luis Carlos Garrocho.



Um comentário:

  1. Bela reportagem, meninas. Texto muito bom. Parabéns! Abraços, Brígida.

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