domingo, 20 de junho de 2010

Na platéia, o palco principal

Por Taís Ahouagi

Entre as várias peculiaridades do Cenas Curtas, tem uma que não dá para deixar de notar e comentar: o público. Na noite de sexta-feira, um desavisado que se deparasse com essa platéia certamente estranharia. É que era muita animação. Muita.

Na entrada, cada um ganhou pacote de figurinhas e o álbum com espaços para colar. Em vez de fotos dos jogadores de futebol, cenas daquela e de outras noites. Claro, nenhum embrulho veio completo, e todos continham pelo menos uma imagem repetida. Foi suficiente para garantir a interação. “É para que o público literalmente tenha oportunidade de trocar figurinhas entre si”, explicou o coordenador do festival, Leonardo Lessa.

Quando as primeiras pessoas chegaram ao teatro, foi de uma vez, falando sem parar e já negociando entre si as melhores formas de completar as coleções. A trilha caliente de Rick Martin que os acompanhava denunciava que não seria uma noite comum. Em poucos minutos, o que poderia ser um auditório apreensivo se transformou em clubinho da troca capaz de dar inveja ao ponto tradicional no bairro São Bento. Em vez de conversas, gritos: “Éeeethel! Etheeeel! Quer trocar alguma por esta?” “Ah não, Jessica, você deu todas as figurinhas pro Cris.”, “Troca comigo, Carol?”

A essa altura, a trilha migrara para o jingle da Globo das Copas do Mundo (“eu vou que vou, com o coração batendo a mil, bola pra frente, Brasil...”) e a intensidade do desejo e da barganha também aumentavam, pois descobriu-se que, como em qualquer coleção, sempre há as unidades mais desejadas: “troco cinco pela 19”, gritou alguém. “Eu dou R$5. Melhor, uma cerveja!”, tentou outro. “Eu dou três figurinhas e um beijo”, apelou.

Pausa. A primeira cena iria começar. Ou seria o primeiro intervalo de uma atuação que já acontecia? Por alguns minutos, o ar compenetrado do início do espetáculo pareceu destoar do ambiente. Afinal, estávamos ali para assistir ou para completar o álbum? A interpretação de sentimentos dúbios, complexos e contraditórios de “O cesto” parecia ser o fim da exaltação. Foram quinze minutos suficientemente impactantes para deixar uma atmosfera angustiante. Mas nada que o anúncio de cerveja por R$3 não fizesse o público voltar para o troca-troca.

De repente, mais uma novidade. “Alice está montando álbum só com os pezinhos!”, gritou alguém. “Quem contribui?” É que a foto da cena de “Duas palhaças e um pequeno príncipe”, que dá destaque ao pé de um dos artistas, estava em praticamente todas as embalagens. Pouco valorizada até então, se tornou motivo de rebuliço, provocando uma enxurrada de figurinhas passadas de mão em mão.

Pausa de novo. Entram em cena as donas dos pés em uma atuação sutil e divertida, que contribui ainda mais para os risos e falas altas. Mais trocas, mais interação. Outra cerveja. E alguém garante que está próximo de ter o álbum cheio. Os debates amorosos de “Coração acéfalo / Boca desgarrada” também não atrapalham a negociação. Perguntei ao homem sentado ao meu lado o que achou da peça, já que eu estava em dúvidas. Enquanto folheava seu álbum, me respondeu com a pergunta: “Você tem esta aqui? Estou quase completando a página”.

O clubinho da luta só ficou para escanteio após a encenação de “Pura Brancura”, do grupo mineiro Coletivo [entre] Teatro Dança, que levou torcida e fechou a noite com os pés da platéia batendo no chão para reforçar as palmas. Mas era também mais um intervalo. No segundo andar do Cine Horto, durante o bar do grupo Teatro 171, as figurinhas continuaram a ser passadas de mão em mão. Segundo Leonardo Lessa, ao final do festival, todo mundo ganha os números que faltam. Basta ir conferir as cenas vencedoras.

4 comentários:

  1. Opa! É clubinho da troca, e não da luta! rolou um ato falho aí.

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  2. hahahahaha
    ótima matéria, Taís.
    adorei ser exemplo!

    :D

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  3. Obrigada, Ethel! Estava doida pra você ler, porque seu nome realmente ecoava pelo teatro! Isso que é popularidade.

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  4. Delícia de texto! Quando eu crescer, quero escrever assim...

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